O Espírito do Praticante Marcial
Apesar do mundo ter enfrentado duas Guerras Mundiais onde milhões de vidas foram ceifadas, e de ainda existirem conflitos isolados. E por existir uma linha sutil, que se transposta pode trazer o caos à humanidade. Levando em consideração que uma grande parcela da população mundial se manteve distante desses conflitos de nações. Podemos afirmar que vivemos num mundo relativamente pacífico.
Muitos podem questionar esta afirmação. Porém, se voltarmos atrás fazendo um apanhado geral sobre a história do mundo notaremos que a sociedade moderna foi edificada por meio de guerras sangrentas. Sobreviver até dois séculos atrás foi difícil e diversas civilizações foram extintas. Contudo, nossa sociedade e espécie prevaleceram num mundo infestado de limitações, num solo regado à sangue de incontáveis batalhas por conquista de território e lutas por independência.
Entre tantos traços genéticos que possuimos de nossos antepassados, escondida profundamente em nosso subconsciente trazemos a herança guerreira. Trazemos de forma itinerante, adormecido: um espírito combativo e destemido. O treinamento nas Artes Marciais é o Caminho que nos favorece acordar este Guerreiro interior.
Guerreiro, é aquele que sacrifica sua própria vida, incondicionalmente para estabelecer a paz. - LARA, Eduardo (2012)
As ditas "artes marciais" trouxeram aos olhos do mundo além da popularização tendenciosa, visões equivocadas da marcialidade e do significado do BUGEI (Arte da Guerra). A marcialidade, popularmente se associa ao MMA, que é um desporto de contato.
Então, muitos que possuem uma busca diferenciada dentro do Caminho Marcial acabam não compreendendo o sentido de ser praticante. Treinam, porém não instigam o espírito. As Artes Marciais que tinham por sua principal finalidade o fortalecimento e refinamento espiritual, acabam não revelando a antiga meta do Caminho para muitos que nele iniciam.
Poderiamos dizer que isso provém da ausência do treinamento austero na maioria dos Dojo. A "modernização" de muitas escolas que vêm oferecendo uma fuga do estresse. Uma espécie de terapia marcial ao praticante. O Dojo deixou de ser aquele ambiente rústico, cheirando a suor, onde era possivel sentir o Ki saltando como chamas dos olhos dos praticantes. A maioria dos Dojo hoje é um ambiente pomposo, que visa atender uma clientela. Perderam o significado, e deixaram de ser a senda para aqueles que buscam um Caminho.
Entretanto, ainda existem Dojo que seguem os antigos moldes. Contudo, mesmo dentro desses ambientes austeros, como ainda existem pessoas que não despertam para a marcialidade?
Notamos que o jovem, está cada vez mais acomodado devido ao conforto e a acessibilidade às tecnologias. Querem que o conhecimento e a maestria cheguem como um "download", sem esforço.
A sociedade urbana perdeu por completo seu elo com sua natureza. Deixou de depender de suas habilidades corporais e da adaptação para sobreviver em seu espaço. O homem moderno desconhece a própria força, perdeu a capacidade de lidar com as próprias emoções, tornou-se dependente de imagens e de elementos externos para desenvolver a própria personalidade.
Mesmo aqueles que se dizem "praticantes" de artes marciais, podem passar por anos dentro de um Dojo sem despertar sua natureza guerreira. As artes marciais que evoluiram sob a ideologia de transformar seus seguidores em peritos militares (em resistência e força física; estratégia militar; geografia; medicina natural; improvisação de armas; ocultação; etc), acabaram se perdendo em meio à modernidade. Muitos estilos desvirtuados de sua raiz, acabam sendo uma espécie de dança anti-estresse ao invés de arte de combate.
Praticando dessa forma desleixada e sem Kime, as técnicas deixam de ser funcionais. E acabam recebendo críticas do praticantes das "lutas marciais da moda" por sua falta de efetividade. É uma ilusão que numa situação real o oponente reaja como um "boneco de pano" submisso à aplicação do golpe. Então a obrigação, não a necessidade de se praticar o mais próximo possível da realidade.
Perceba que sua mente e corpo devem ser ocupados com a alma de um guerreiro, com uma sabedoria iluminada e uma cultura profunda. (...) Sempre se imagine no campo de batalha sob o ataque feroz; nunca se esqueça deste elemento crucial de treinamento. - Morihei Ueshiba
Difícil imaginar palavras de severidade vindas de O-Sensei. Porém, antes de se iluminar e dar origem ao Aikido, Morihei Ueshiba por vinte anos submeteu-se ao treinameno severo e austero de um dos mestres de Aikijujutsu mais notáveis de sua época: Sokaku Takeda.
Todo conceito de edificação que O-Sensei aplicou em seu Budô foi com base no treinamento de um guerreiro japonês. Seu conceito de paz, partiu da visão de um guerreiro. O-Sensei foi severo, como todo mestre do Nihon Budô.
Seguindo esse pensamento, o praticante deve forjar seu "Corpo, Mente e Espírito" através de desafios, superação e treinamento baseados em uma mentalidade marcial (militar). Qualquer praticante que afirme o contrário, com certeza não está praticando Arte Marcial.
Adentrar ao Dojo, o ato de reverenciar, simboliza a troca de planos entre universos: do macro-cosmo, ao micro-cosmo. É quando vestimos nossa armadura espiritual e nos entregamos ao shugyô (austeridade marcial).
Deixamos para fora do Dojo todas as emoções e todas as preocupações. Pois, enquanto guerreiros nossas emoções são inertes como uma rocha. E dentro deste espaço sagrado, focalizamos o presente. Se não existir essa troca de planos, não existe motivação na prática. Não podemos compenetrar um treinamento se trazemos consigo uma bagagem de sentimentos externos.
Vivemos num mundo onde as guerras são menos frequentes, porém é necessário que entendamos o significado da "GUERRA". O significado da "GUERRA INTERNA", travada contra as limitações pessoais. Enquanto budoka, quem não compreende o significado se torna apenas um repetidor de movimentos. Um praticante marcial externo, pois, não há como interiorizar uma Arte que foi desenvolvida para o Guerra, sem antes despertar a visão de um Verdadeiro Guerreiro.